Offline
Divertida mente: os "senões" deste filme maravilhoso!
13/04/2016 14:00 em Cinema

Por Denise Cavalini, Gerente Pedagógica do Setor de Pesquisa, Produção e Desenvolvimento de Conteúdos (PPDC) do Grupo Educacional Augusto Cury

“Na Pixar não ligam se a primeira versão do filme sair medíocre”, disse Peter Hans Docter, diretor de “Divertida Mente” (Inside Out, EUA, jun/2015), filme que demorou cinco anos para ficar pronto. Ele começou a trabalhar na Pixar em 1990 e já atuou em vários filmes como diretor, roteirista e produtor.  “Dos cinco anos que gastamos em um projeto, três deles são para saber qual a melhor forma de contar uma história”. A ideia para o roteiro, segundo ele, surgiu ao observar a filha, tímida, e imaginar o que se passava dentro da sua mente.¹

No filme, as emoções (e apenas cinco são destacadas, as “emoções primárias”: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho) assumem, cada uma em sua vez, ou todas se digladiando, o comando dos comportamentos de Riley, uma garotinha entre a infância e a juventude. As memórias (em formato de esferas, que a meu ver ficariam melhor se fossem células encaixadas) vão se juntando e formando a estrutura da mente: inclusive formando as “ilhas da personalidade”.

A ideia e estrutura do filme, indiscutivelmente, é excelente! Mas ao analisarmos a mente humana sob a perspectiva da Teoria da Inteligência Multifocal (TIM), nota-se, de maneira clara, que faltaram alguns elementos, ou uma maneira diferente de abordar certos enfoques, que, em muito, auxiliariam as crianças a compreender melhor este universo, e de modo particular, como atuar sobre ele.

Na história, foi concedido às emoções poder absoluto de decisão e atuação. Elas ponderam as circunstâncias, analisam as consequências, se apoiam, e comandam os comportamentos, sem que o Eu da menina Riley manifeste qualquer reação de comando. Elas se autogovernam, se autogerenciam, mesmo sob foco de tensão.

Nesta abordagem, apesar de ser necessário destacar o trabalho valioso que prestaram à Tristeza, ao apresentá-la – também – como algo positivo na construção de quem somos, escorregaram, e muito, no tratamento que deram à Alegria. Esta emoção surge como a mais “sábia”, a “líder” natural, a “responsável” por dar o tom de equilíbrio às demais, ou seja, indiretamente somos convidados a refletir que é a alegria que equaciona nossas mazelas existenciais.

A meu ver, esta é uma abordagem perigosíssima de se passar às crianças, por dois motivos simples: primeiro, porque as crianças, nesta idade, já compreendem (mesmo que intuitivamente) que ninguém vive alegre 24 horas por dia, ou que pode haver determinadas situações, contextos cotidianos ou memórias, que pouco – ou nada – possuem de alegre: o que ela (criança) pode fazer se não encontrar alegria na refeição em família, na ida à escola, na companhia dos amigos ou até mesmo em assistir a este filme? Segundo, se a alegria lidera e equaciona ou estabiliza todas as outras emoções, e é tão importante quanto lhe foi passado, o que fazer se elas, crianças, sentirem que suas “ilhas da personalidade” estão “desmoronando” e não dispuserem desta “emoção líder-positiva”, capaz de, sozinha, sustentar, motivar, encorajar, DUVIDAR, CRITICAR e DETERMINAR (a técnica do D.C.D), sobre uma “emoção líder-negativa”? Será que efetivamente nós sempre estamos à deriva do poder e da atuação das emoções? Será que são as emoções que “lideram” quem somos?! Ou será o contrário?! A Teoria da Inteligência Multifocal (TIM) nos mostra a importância de tomarmos consciência sobre nosso Eu, de conhecermos os bastidores da nossa mente e o quanto podemos assumir as rédeas sobre nossos pensamentos e emoções e traçar novos caminhos!

Seria profundamente instrutivo se o roteiro considerasse este aspecto. Que apresentasse-nos dentro da mente de Riley, o Eu, com roupa de “comandante”, mostrando que em todas as mentes há uma força no comando.

Seria igualmente produtivo se, diante dos conflitos vivenciados pela garotinha, este “comandante”, em vários momentos, perdesse o controle sobre suas “comandadas emoções”, com a oportunidade de aprender neste processo e se (re)pensar!

Se este Eu fizesse uma “mesa-redonda” consigo (questionando suas escolhas e as consequências destas), em uma grande sala, onde estariam destacadas as principais e as secundárias emoções (vergonha, ciúme, culpa, orgulho, calma, felicidade, gratidão, satisfação etc.), fosse aprendendo com as mesmas, por meio de erros, falhas, choros, risos, compreendendo que, nesta “dança” das decisões - erros - acertos e novas decisões – erros - acertos, podemos “adestrar” nossas emoções, com treino e determinação ou até mesmo os desdobramentos que ocorrem, quando aprendemos (ou não!) a gerenciá-las.

Creio que seria válido que as crianças fossem convidadas a compreender por qual motivo as emoções saudáveis ou não saudáveis não são puras, nem intactas, mas mistas e flexíveis, passíveis de modificações para liderar ou serem lideradas o tempo todo, dependendo da maneira como serão gerenciadas pelo “comandante”, pelo Eu. Que pudessem analisar que algumas emoções podem ser convidadas pelo Eu a assumir determinadas posições estratégicas na mente de Riley e resolver conflitos junto a outras (por exemplo a culpa, o ciúmes ou a inveja debatendo  com o amor, a calma, a gratidão). Ou que, por cuidado ou descuido do Eu, algumas emoções podem se tornar mais atuantes, propositivas, ou mais inseguras, retraídas, que as demais!

As emoções cognitivas, ou as habilidades socioemocionais poderiam ser, também, incluídas e destacadas no roteiro, pois  é com a emoção que sabemos mapear e definir o porquê as sentimos ou como desejamos senti-las: por exemplo, quando estamos dentro ou fora de um foco de tensão e a raiva é confrontada pelo Eu: “-Ei, será que eu preciso agir assim?  Por que estou ficando alterado deste jeito? Por que a raiva está desejando assumir o controle? Eu determino que a raiva não vai assumir o controle aqui!”.

Este é um filme maravilhoso, pois trazer os bastidores da mente humana para que as crianças pensem sobre este universo é fabuloso! Mas explorar os aspectos essenciais que a Teoria da Inteligência Multifocal (TIM) nos traz poderia torná-lo didático e imprescindível à formação de nossas crianças, jovens e adultos!

Analisar este processo permitiria às crianças compreender que não somos “marionetes” das emoções, nem acorrentados da razão: fomos construídos para construirmos nossos caminhos e os trilharmos, livres para assumirmos os riscos e os benefícios de nossas decisões. Fomos criados para sermos autores da nossa própria história, mesmo que ainda estejamos no processo de aprender como assumir esta responsabilidade conscientemente!

Denise Cavalini é Gerente Pedagógica do Setor de Pesquisa, Produção e Desenvolvimento de Conteúdos (PPDC) do Grupo Educacional Augusto Cury.

 ¹FONTE: http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2015/06/divertida-mente-diretor-diz-que-fez-filme-para-tentar-entender-filha-timida.html



Imagens relacionadas

 
Divertida mente 
divulgação 
baixar em alta resolução

COMENTÁRIOS
Comentário enviado com sucesso!