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Ana Vitória Mussi apresenta panorama de sua produção na Galeria Lume
11/03/2018 15:05 em Arte

Com curadoria de Adolfo Montejo Navas, mostra reúne cerca de 40 trabalhos da artista, consagrada por explorar a fotografia em diferentes suportes

Ana Vitória Mussi - 'Tua imagem'

'Tua imagem', Série Negativos, 1978-2004 - Ana Vitória Mussi

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Ana Vitória Mussi faz parte de uma geração de artistas que, na década de 1970, incorporou novas linguagens à arte contemporânea, ampliando os temas e suportes da produção brasileira. Natural de Laguna (SC), iniciou sua carreira no Rio de Janeiro, em plena ditadura militar. Nesse contexto, subverteu os usos tradicionais da fotografia e criou uma obra potente, que questiona tanto a situação política da época, quanto o estatuto da imagem na cultura de massas – tema ainda bastante recorrente em sua produção.

A consistente trajetória de Ana Vitória é celebrada pela exposição Lethe, Mnemosyne (Esquecimento, Memória, em tradução literal), que a Galeria Lume recebe a partir do dia 3 de abril. Com curadoria do poeta e crítico espanhol Adolfo Montejo Navas, a mostra apresenta ao público cerca de 40 trabalhos da artista, entre vídeos, serigrafias e instalações, todos baseados na linguagem fotográfica.

Sua primeira individual em uma galeria paulistana traz um panorama bastante abrangente de sua extensa produção. Pioneira ao investigar a fotografia como um campo ampliado, a artista a enxerga para além do registro documental. Equilibra-se sobre a tênue linha que separa arte e fotografia. Não raro, suas composições partem de imagens subtraídas dos mais diferentes meios. "Ana Vitória constrói uma poética da imagem e estabelece uma ruptura perceptiva, propondo uma mudança sensível e imperecedoura da nossa relação com o imagético", afirma Montejo Navas.

Já em seus primeiros trabalhos, a catarinense realizou uma sucessão de intervenções nos jornais cariocas. Essa fase é representada na exposição porTrajetória do osso - A Rebelião (1968), colagem na qual Ana Vitória desenha sobre fotos de protestos, inserindo nelas ossadas gigantes. A montagem cria a ilusão de que os ossos estão sendo carregados por uma multidão – clara referência ao momento político vivido pelo Brasil às vésperas do AI 5, quando as rebeliões eram asfixiadas. "As mídias passavam por um controle e uma censura absolutos do que podia ser mostrado, incluindo a própria violência que ocorria nos porões de um Estado totalitário", conta a artista.

Na série Barreiras, Ana Vitória também se baseia em periódicos, intervindo com guache em imagens de atletas de modalidades diversas. Parte integrante do conjunto, o trabalho Boxeador (1972) traz o corpo retorcido de um pugilista. Para reconhecer que se trata de uma figura humana, o observador precisa olhar com bastante atenção, movimento constante no reconhecimento de suas obras.

"O que é a sua fotografia nesse momento? Na resposta, não cabe reduzi-la a quaisquer das variantes contemporâneas do registro automático. Essas imagens, nem figurativas, nem abstratas, estão para além da representação", pontua o crítico Paulo Herkenhoff sobre o conjunto, ressaltando o caráter ambíguo dos trabalhos que abarca.

Concebida em 2017, a série inédita Sobremar apresenta um apanhado de fotos do Museu de Arte do Rio (MAR), complexo formado por dois prédios interligados: o Palacete Dom João VI, de estilo eclético do começo do século XX, e o edifício vizinho, fruto de um projeto modernista. Nessas obras, a artista subtrai parte das imagens e insere sobre elas planos e áreas pretas. A série, como grande parte de seu trabalho, dialoga com o movimento neoconcreto, brincando com os conceitos de construção e representação.

"Ana Vitória é autora de uma obra pulsante, que tem perpassado bem os tempos, do início de sua carreira aos dias de hoje. Sua produção segue em sintonia com a atualidade, mantendo-se permanentemente experimental", afirma o curador Montejo Navas.

Na exposição, que segue em cartaz no espaço até 14 de maio, Ana Vitória Mussi também apresenta obras de suportes diversos. A artista insere em suas produções negativos, rolos de filmes e slides – materiais que fazem referência ao passado da artista que, entre 1977 e 1989, trabalhou como fotógrafa de colunas sociais.

Na obra À tua imagem (1978-2004), por exemplo, um rebobinador expele inúmeros negativos de políticos e celebridades, retratados ao longo de seu ofício nos jornais cariocas. De forma irônica, a artista enfatiza a passagem do tempo, que tornou o material obsoleto. Realizadas de modo a eternizar personalidades ilustres, as imagens aqui aparecem como sinal da finitude: não revelados, seus protagonistas desaparecem, amalgamados pela monótona semelhança entre os negativos.

Esse material acumulado também compõe a instalação Lethe, que nomeia a mostra. Nela, a artista une fragmentos de negativos a um fio de náilon, formando uma fita de aproximadamente 4 metros de extensão. Ao lado, cópias fotográficas são dispostas em uma mala de viagem. O tema da memória, e a forma como ela é construída pelo homem, mais uma vez é o centro de suas reflexões. "O título deste trabalho faz alusão ao rio grego Lethe, onde as almas iam se banhar para esquecer vidas passadas", conta a artista.

Sobre a artista

Natural de Laguna (SC), Ana Vitória Mussi estudou arte com Ivan Serpa e fotografia com Kaulino e Ricardo Holanda, no Senac, Rio de Janeiro. De 1979 a 1989, trabalhou como repórter fotográfica em grandes jornais cariocas. Entre 1989 e 1990, estudou serigrafia com Dionísio Del Santo e Evany Cardoso na EAV/Parque Lage. A artista é uma das pioneiras na inserção de fotografias na produção de arte contemporânea, expandindo os limites da técnica para além do papel.

Já apresentou mostras individuais em instituições como a Casa da Imagem (SP), Paço Imperial (RJ) e Oi Futuro (RJ). Também participou de coletivas no Museu de Arte Moderna (RJ), na Fundação Vera Chaves Barcellos (RS), na Funarte (RJ), entre outros. Sua obra integra ainda a coleção Pirelli Masp de Fotografia.

Atualmente, Ana Vitória participa da coletiva Radical Women: Latin American Art, 1960-1985, exposição itinerante que traz as práticas artísticas de mulheres da América Latina em um período chave na história do continente, explorando sua relação com o desenvolvimento da arte contemporânea regional e suas repercussões internacionais. Entre setembro e dezembro de 2017, a mostra esteve em cartaz no Hammer Museum, de Los Angeles (EUA). Em abril deste ano, chega ao Brooklyn Museum, de Nova York (EUA). A exposição encerra sua itinerância na Pinacoteca de São Paulo, onde permanence entre 18 de agosto a 19 de novembro.

Sobre o curador

Adolfo Montejo Navas é poeta, crítico e artista visual. Natural de Madri (ES), mora no Brasil há mais de 25 anos. É autor de obras de referência sobre diversos artistas, como Anna Bella Geiger, Victor Arruda, Regina Silveira, Iberê Camargo, Paulo Bruscky, Mário Carneiro e Ana Vitória Mussi.

Ganhou o Prêmio Mario Pedrosa de Ensaio de arte e cultura contemporânea (F. Joaquim Nabuco, 2009) e XV Prêmio Marc Ferrez de Fotografia - Reflexão crítica (Funarte, 2015). É Notório saber em Artes pela UFRGS, 2016.

Sua última produção são os livros Fotografia & poesia(afinidades eletivas) (Ubu, 2017), Poemas casuais (Medusa, 2017) e Patricio Farias (Iluminuras, 2017) e as exposições individuais Continuum ~ Peças soltas (ESPM, PoA, 2017) e Antologia poética (MON, 2017-2018).

Serviço:

Lethe, Mnemosyne, individual de Ana Vitória Mussi
Local: Galeria Lume
Abertura: 3 de abril, a partir das 19h
Período expositivo: 4 de abril a 14 de maio
Endereço: Rua Gumercindo Saraiva, 54 - Jardim Europa, São Paulo
Visitação: de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h | sábados, das 11h às 15h
Telefone: (11) 4883-0351

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